Abenepi-Rio

Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins

Cefaléias

Autores:

Dr. Alexandre Fernandes
Comitê de Neurologia da Abenepi-Rio

Dra. Marcela Freitas
Comitê de Neurologia da Abenepi-Rio

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O que é?

Cefaléia é um termo que se refere a qualquer dor de cabeça. É um dos sintomas neurológicos mais comuns na faixa etária pediátrica, acometendo   cerca de 60% das crianças e adolescentes entre 7 e 15 anos. Esse número aumenta para 90% dos adolescentes até 18 anos que referem já ter apresentado alguma dor de cabeça.

A procura dos familiares ao serviço médico, seja a emergência, o pediatra ou o neuropediatra, se dá pelo receio de uma causa neurológica mais grave e pelo alto impacto na qualidade de vida, como falta à escola, interrupção de atividades físicas, alterações de humor, entre outras.

O que causa?

As cefaléias costumam ser causadas por doenças febris agudas (como infecções respiratórias), traumas (que se resolvem até 7-10 dias do trauma), efeitos colaterais de medicações, uso abusivo de medicação analgésica, erros visuais refrativos (miopia, hipermetropia e astigmatismo). Além dessas, existem outras causas mais graves e felizmente menos comuns, como hipertensão arterial, meningite, sangramento intracraniano, trombose cerebral, tumor cerebral e hidrocefalia.

Quando não apresentam uma causa, as cefaléias são chamadas de primárias e representam uma disfunção do sistema nervoso. A enxaqueca, a cefaléia tensional e a cefaléia em salvas são exemplos de cefaleia primária. Em especial, a enxaqueca ou migrânea é a causa mais comum de cefaléia aguda e episódica. Cerca de 1-2% das crianças com 7 anos, 2,5% das de 9 anos e mais de 5% dos adolescentes são afetados por ela.

A enxaqueca caracteriza-se por um tipo de cefaléia recorrente (pelo menos cinco episódios), localizada em uma região específica da cabeça, com caráter latejante ou com sensação de peso, com duração entre 2-72 horas (se não tratada), de intensidade moderada a grave, que piora com a realização de exercício físico e incapacita a criança para realização de suas atividades. Pode piorar com estímulos de luz (fotofobia), som (fonofobia) ou cheiro (osmofobia) e vem acompanhada de sintomas como náuseas e vômitos. Algumas particularidades da enxaqueca nas crianças incluem: a localização (podem ser de um lado só ou dos dois lados), a duração da dor é mais breve, com náuseas e vômitos, com a necessidade do repouso em quarto escuro ou mesmo com sonecas para aliviar a dor. Cerca de 10% das crianças apresentam aura, que são sintomas que antecedem a dor em minutos até uma hora. Também podem ocorrer pontos visuais brilhantes (escotomas), alterações sensitivas (dormência), motoras (fraqueza) ou de linguagem (dificuldade de comunicação) como sintomas de aura. Outras crianças apresentam sintomas premonitórios, horas a dias antecedendo a dor, como alterações de humor ou comportamento.

As cefaléias do tipo tensional também acometem crianças e adolescentes e são caracterizadas pela presença de dor de cabeça bilateral, não latejante, com intensidade leve a moderada (não interrompe as atividades habituais da criança) e que podem durar de horas a dias. Ao contrário da enxaqueca, ela não é acompanhada de náuseas, vômitos, e não costuma estar associada com fotofobia e fonofobia. Também não é agravada pelas atividades físicas. De acordo com o número de dias e tempo de acometimento, elas são classificadas em crônicas ou episódicas.

Como e quando investigar?

O acompanhamento médico, realizado nas consultas pediátricas, é importante para monitoramento dos sintomas, detecção de fatores de risco para alguma doença grave que leve a cefaléia secundária, ou mesmo para encaminhamento a um especialista no caso das cefaléias primárias.

A investigação inclui uma história médica, exame físico geral e o exame neurológico completo.

É importante detalhar as características da dor (de preferência com a própria criança, com o apoio dos familiares); questionar sobre medicações em uso, padrão de sono e da alimentação; além de procurar por histórico familiar de enxaqueca, que é extremamente comum. O diário da cefaléia, que pode ser preenchido pela criança com a ajuda dos seus familiares, é uma ferramenta muito importante para conhecer as características da dor de cabeça e deve incluir: momento do dia em que ocorreu, qualidade ou tipo de dor, localização na cabeça, gravidade (classificando como leve, média e forte ou pontuando com nota de 0-10, quando a criança consegue compreender essa escala), fatores desencadeantes e fatores de alívio além das medicações utilizadas. O diário é usado na avaliação inicial e também no acompanhamento para avaliar a eficácia do tratamento.

Os exames físico geral e neurológico têm o objetivo de afastar algumas causas de cefaléias secundárias.

A partir das informações obtidas na história e exames clínicos pode ser necessária ou não uma investigação complementar através do exame de imagem do cérebro (tomografia ou ressonância). Essa decisão deve ser tomada individualmente pelo seu médico.

Quando procurar serviço de emergência?

Essa sempre é uma dúvida grande que sempre assusta os pais. Recomenda-se sempre que a criança sempre deve ser levada à emergência caso apresente dores de cabeça de forte intensidade, fora do padrão habitual que costuma apresentar, e/ou que sejam acompanhadas de outros sintomas de gravidade, tais como: como dores da nuca, sonolência, irritabilidade, vômitos incoercíveis, dificuldades para caminhar, para se sustentar e com alterações visuais (redução da acuidade visual, perda parcial de um campo visual ou visão dupla). A presença de febre e vômitos associada a esses sintomas também requer uma avaliação médica o quanto antes, preferencialmente em um pronto-atendimento.

Se seu filho já tem o diagnóstico de uma cefaléia primária (enxaqueca ou com características tensionais) o encaminhamento para emergência só costuma ser necessário se a dor referida pela criança é muito intensa ou não responde aos medicamentos habituais, prescritos pelo seu médico. Nesse caso, pode ser preciso utilizar tratamento por via venosa. Outra razão que faz com que a consulta de emergência seja necessária é quando a criança apresenta vômitos intensos e frequentes que, se não tratados, podem levar à desidratação.

Como tratar?

O tratamento das cefaléias relacionadas com infecções sistêmicas passa pelo tratamento dessas condições. Em outras palavras: ao tratar a gripe, o resfriado ou a virose que a causa, a dor de cabeça vai desaparecer naturalmente.

Quando a dor é muito intensa e repercute negativamente na qualidade de vida da criança, o tratamento sintomático está indicado, mas sempre deve ser guiado pelo médico. O uso de analgésicos por conta própria deve ser evitado ao máximo pois seu uso indiscriminado é causa comum de dores de cabeça crônicas.

As cefaléias primárias também devem ser tratadas pelo médico e a melhor escolha de tratamento se baseia sempre no diário da dor. Por essa razão o preenchimento por escrito das informações da dor é tão importante. Através desse instrumento pode-se avaliar se um tratamento medicamentoso está ou não indicado e qual a melhor medicação a ser utilizada.

Dietas restritivas de chocolate, corantes, cafeína, algumas oleaginosas, embutidos e ouros alimentos já foram recomendadas embora sua eficácia nunca tenha sido comprovada. Caso você perceba algum fator desencadeante como privação de sono, jejum prolongado, sono excessivo ou até mesmo alimentos, converse com seu médico para decidirem se alguma medida terapêutica está ou não indicada.

Alguns medicamentos, como a flunarizina, Betabloqueadores, alguns antidepressivos e alguns antiepilépticos podem ser usados de modo constante para evitar o surgimento de dores agudas ou para reduzir sua frequência. Isso pode ser relevante para algumas crianças com enxaqueca ou cefaleia do tipo tensional. Novamente, essa é uma decisão que deve levar em consideração as anotações do diário da dor e que também deve ser individualizada conforme as orientações do seu médico.    

Onde posso obter mais informações?

Organizações nacionais fornecem informações para o público não médico, como a Sociedade Brasileira de Cefaleia (sbcefaleia.com.br/index.php). Além dessas dicas online, muitos serviços de neurologia pediátrica mantêm ambulatórios específicos apenas para a atendimento de pessoas com cefaleia. Converse com seu pediatra ou médico de família sobre como ser encaminhado de acordo com o sistema de saúde da sua região.

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