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Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins

Atrofia Muscular Espinhal – AME

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Autora: Dra. Flávia Nardes dos Santos (membro do comitê de Neurologia da Abenepi-Rio).

1. O que é a AME?

AME é a sigla para uma doença chamada Atrofia Muscular Espinhal, que tem origem genética, curso progressivo e degenerativo, e se caracteriza por perda dos movimentos do tronco e membros além de atrofia dos músculos.

A AME é a segunda doença autossômica recessiva fatal mais comum depois da fibrose cística e possui uma incidência aproximada de 1:6.000 a 1:10.000 nascidos-vivos.1,2

2. O que causa a AME?

As atrofias musculares espinhais (AMEs) formam um grupo de doenças neuromusculares caracterizadas pela morte do segundo neurônio motor localizados na medula espinhal e tronco encefálico, levando à atrofia e à paralisia dos músculos esqueléticos.3

3. Quais os sintomas e sinais da AME?

Os sinais e sintomas que chamam atenção para a suspeita diagnóstica dependem da idade de início da doença. Nas formas mais graves, os sintomas aparecem antes de 6 meses de vida. Mas há formas em que a fraqueza surge ao final da idade pré-escolar ou até na adolescência e idade adulta.

Recém-nascidos: redução dos movimentos fetais, polidramnia, asfixia, insuficiência respiratória e hipotonia ao nascimento.

Lactentes: incapacidade de sustentar o pescoço, hipotonia, redução dos movimentos de braços e pernas, tosse e choro fracos e pneumonias de repetição.

Pré-escolares: atraso dos marcos motores, lentidão para andar, para correr, para subir escadas e quedas frequentes.

Escolares: atrofia muscular, intolerância ao exercício, dificuldades para andar, correr, pular, subir escadas, pedalar ou chutar.

4. Quais os tipos de AME?

Existem 5 tipos de AME: 0, I, II, III e IV, em ordem decrescente de gravidade. Abaixo, encontra-se um resumo das principais manifestações clínicas em cada um dos tipos clínicos:

Tipo 0: início intraútero. A criança não adquire nenhum marco motor. Os movimentos fetais são mínimos, a criança já nasce com insuficiência respiratória e incapacidade de deglutir. Pode haver cardiopatia congênita, artrogripose e malformações do sistema nervoso central. Geralmente, o óbito ocorre antes de 6 meses de idade.

Tipo I: início antes de 6 meses de idade. A criança é hipotônica, com dificuldade de sustentação cervical, poucos movimentos de braços e pernas, choro e tosse fracos, engasgos e pneumonias de repetição.

Tipo II: início entre 7 e 18 meses. As crianças sentam-se sem apoio e chegam a ficar de pé, mas não adquirem o andar independente. Verificam-se hipotonia, atrofia muscular, fraqueza de membros superiores e inferiores, ausência de reflexos profundos, miofasciculações de língua, polimioclonia de dedos, contraturas articulares e cifoescoliose.

Tipo III: início após 18 meses. As crianças adquirem a marcha independente, mas podem perdê-la após um tempo. Com a perda da marcha, podem desenvolver/agravar cifoescoliose e contraturas de quadril, joelhos, tornozelos e cotovelos. A obesidade é outro problema nutricional nestes pacientes.

Tipo IV: início na adolescência ou fase adulta. Os sinais de fraqueza são mais evidentes ao nível do quadril e progridem lentamente.4-8

5. O que devo fazer se suspeitar de AME?

Primeiramente, informe ao pediatra as queixas relacionadas à criança especialmente se houver hipotonia e atraso dos marcos motores para idade. Uma avaliação específica deve ser solicitada ao neurologista infantil.

6. Como se faz o diagnóstico de AME?

O caminho do diagnóstico se inicia com a suspeita clínica, quando a criança apresenta os sinais e sintomas descritos anteriormente. A confirmação do diagnóstico é obtida com os testes genéticos, que pode ser pelas técnicas de qPCR ou MLPA, e da técnica de sequenciamento do gene se necessário.

Em 96% dos pacientes com AME a doença é causada pela deleção em homozigose (nos alelos herdados da mãe e do pai) dos éxons 7 e/ou 8 do gene SMN1. A perda em homozigose de ambos os alelos de SMN1 (0 cópias) confirma o diagnóstico. Se houver a presença de apenas 1 alelo de SMN1 e o paciente tiver manifestações clínicas compatíveis com a doença, deverá ser solicitado o teste de sequenciamento de nova geração (NGS) do gene SMN1, pois em alguns casos existe a possibilidade da doença devido à perda de um alelo de SMN1 e mutação de ponto no outro alelo de SMN1.9

Um dos principais fatores que influenciam a gravidade da AME relaciona-se ao número de cópias do gene SMN2, isto é, quanto maior o número de cópias, menor é a gravidade da doença. Por exemplo: 70% dos pacientes com AME tipo I possuem 2 cópias do gene SMN2, 82% dos pacientes com AME tipo II possuem 3 cópias, pacientes com AME tipo III possuem de 3-4 cópias e pacientes com AME tipo IV possuem de 4-8 cópias do gene SMN2.10

7. Como se trata AME?

A AME é uma doença multissitêmica, isto é, além de afetar nervos e músculos, tem repercussões ortopédicas, gastrointestinais, respiratórias, cardiovasculares e metabólico-nutricionais. Médicos de várias especialidades, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais participam de forma conjunta e integrada dos cuidados ao paciente com AME.

8. Quais são os principais cuidados respiratórios na AME?

A fraqueza dos músculos respiratórios é tanto maior quanto mais grave a doença e, portanto, a insuficiência respiratória é uma preocupação principalmente nos tipos 0, I e II. Nos tipos II e III a escoliose também pode prejudicar a ventilação, especialmente, nas grandes deformidades de coluna.

Em pacientes que não sentam a avaliação da hipoventilação pode ser feita através da capnografia e da polissonografia. Os pacientes que sentam e andam, a depender da cooperação e idade, também podem realizar a prova de função respiratória para acompanhamento da capacidade vital forçada (CVF).

As principais intervenções são a fisioterapia respiratória indicada sempre nas crianças que não sentam e naquelas com CVF < 60%, remoção de secreções de boca e vias aéreas superiores, auxiliares de tosse e imunização contra influenza e pneumococos. O suporte ventilatório não-invasivo (BiPAP) está sempre indicado para os pacientes que não sentam e para aqueles que sentam mas que possuem CVF < 40% (indicado BiPAP noturno) e < 20% (indicados BiPAP diurno e noturno).

É sempre importante reforçar que pacientes como AME não possuem qualquer distúrbio ao nível de trocas gasosas, estando a interface alvéolo-capilar íntegra e funcionante. Sendo assim, na maioria das vezes, não necessitam de oxigênio suplementar. Mesmo na vigência de infecções respiratórias, o desconforto respiratório pode ser apenas controlado com o aumento das pressões e fluxos respiratórios, além das medidas de suporte (ex: aspirações, fisioterapia respiratória, uso de mucolíticos e broncodilatadores por tempo curto)9,11.

9. Quais são os principais cuidados nutricionais e gastrointestinais na AME?

Os pacientes que não sentam apresentam disfagia por fraqueza dos músculos bulbares envolvidos na deglutição, e por isso, estão sob risco de broncoaspiração e consequentemente, pneumonias de repetição. A avaliação da capacidade de deglutição pode ser estudada através do videodeglutograma. Normalmente, indica-se gastrostomia com fundolicatura a Nissen precoce nos pacientes com AME tipo I.

Tanto a desnutrição (tipos I e II) quando a obesidade (tipo III) devem ser monitorados através de medidas como peso e índice de massa corpórea. Ambos devem ser controlados através de orientações nutricionais. O jejum deve ser evitado nos períodos de doenças agudas.

Deve-se também avaliar e tratar outros problemas frequentes como refluxo gastroesofágico, constipação, distúrbios glicêmicos, hipercolesterolemia e hipovitaminose D9,11.

10. Quais são os principais cuidados de reabilitação na AME?

A reabilitação na AME é feita pelo fisioterapeuta motor com auxílio dos terapeutas ocupacionais. Os principais objetivos são evitar a atrofia muscular pelo desuso, a cifoescoliose e as contraturas articulares que aceleram a perda da função dos membros.

São necessárias avaliações periódicas para graduação da força muscular, da amplitude articular (goniometria) e para aplicação com escalas e testes motores específicos para cada nível de gravidade (ex: CHOP INTEND, HINE, HFMSE, RULM, MFM, 6MWT*).

Quanto às intervenções de reabilitação motora destacam-se as atividades de alongamento passivo e ativo diariamente, exercícios aeróbicos diários de 30 minutos (ex: natação, hidroterapia, caminhada, ciclismo, yoga) para os pacientes com tipo II e III, e uso de órteses de alongamento/função/mobilidade para membros inferiores e coluna 9,11.

* CHOP INTEND: Children Hospital of Philadelphia Infant Test; HINE: Hammersmith Infant Neurological Examination; HFMSE: Hammersmith Function Motor Scale Expanded; MFM: Motor Function Measure; 6MWT: teste de caminhada de 6 minutos.

11. Quais são os principais cuidados ortopédicos na AME?

Os principais problemas ortopédicos na AME são a escoliose, que pode inclusive prejudicar a ventilação por redução da capacidade vital pulmonar, e as diversas contraturas em flexão de cotovelos, punhos, quadris e joelhos.

Sendo assim, recomenda-se a radiografia de coluna vertebral (cervical, torácica e lombar) em AP e perfil com medição do ângulo de Cobb para acompanhamento da escoliose. As órteses tóracolombares de coluna estão indicadas para deformidades com ângulo maior que 20º. A cirurgia de fixação de coluna está indicada após os 4 anos para deformidades iguais ou acima de 50º e nas progressões rápidas (aumentos acima de 10º/ano). As cirurgias de contraturas articulares estarão indicadas se houver prejuízo funcional grave ou dor9,11.

12. Existem medicamentos para AME?

Existem medicamentos que atuam via gene SMN1 e via SMN2, na tentativa de aumentar a quantidade de proteína SMN e com isso, atenuar os sinais de fraqueza e a progressão da doença.

Muitos têm demonstrando nos estudos científicos resultados promissores, evitando a morte do segundo neurônio motor e alterando de forma significativa a evolução da doença.

Referências Bibliográficas

  1. Ogino S, Leonard DG, Rennert H, Ewens WJ, Wilson RB: Genetic risk assessment in carrier testing for spinal muscular atrophy. Am J Med Genet 2002, 110:301-07.
  2. Prior TW, Snyder PJ, Rink BD, Pearl DK, Pyatt RE, Mihal DC, Conlan T, Schmalz B, Montgomery L, Ziegler K, Noonan C, Hashimoto S, Garner S: Newborn and carrier screening for spinal muscular atrophy. Am J Med Genet A 2010, 152A:1605-16
  3. Mercuri E, Bertini E, Iannaccone ST. Childhood spinal muscular atrophy: controversies and challenges. Lancet Neurol 2012;11(5): 443–52.
  4. Zerres K, Rudnik-Schöneborn S. Natural history in proximal spinal muscular atrophy. Clinical analysis of 445 patients and suggestions for a modification of existing classifications. Arch Neurol 1995;52:518–23.
  5. Zerres K, Wirth B, Rudnik-Schöneborn S. Spinal muscular atrophy clinical and genetic correlations. Neuromuscul Disord 1997;7:202–7.
  6. MacLeod MJ, Taylor JE, Lunt PW, Mathew CG, Robb SA: Prenatal onset spinal muscular atrophy. Eur J Paediatr Neurol 1999, 3:65-72.
  7. Dubowitz V: Very severe spinal muscular atrophy (SMA type 0): an expanding clinical phenotype. Eur J Paediatr Neurol 1999, 3:49-51.
  8. Felderhoff-Mueser U, Grohmann K, Harder A, Stadelmann C, Zerres K, Bührer C, Obladen M: Severe spinal muscular atrophy variant associated with congenital bone fractures. J Child Neurol 2002, 17:718-721
  9. Mercuri E, Finkel RS, Muntoni F, Wirth B, Montes J, Main M, et al. Diagnosis and management of spinal muscular atrophy: Part 1: Recommendations for diagnosis, rehabilitation, orthopedic and nutritional care. Neuromuscular Disorders 2018; 28: 103–115
  10. Wirth B, Brichta L, Schrank B, Lochmüller H, Blick S, Baasner A, et al. Mildly affected patients with spinal muscular atrophy are partially protected by an increased SMN2 copy number. Hum Genet 2006;119:422–8
  11. Finkel RS, Mercuri E, Meyer O, Simonds AK, Schroth MK, Graham RJ, et al. Diagnosis and management of spinal muscular atrophy: Part 2: Pulmonary and acute care; medications, supplements and immunizations; other organ systems; and ethics. Neuromuscular Disorders 2018; 28: 197-207.