Abenepi-Rio

Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins

Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade – TDAH

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Autoras: Dra. Didia Fortes (membro do comitê de Psiquiatria Infantil da Abenepi-Rio) e Dra. Gilca Soares (membro do comitê de Neurologia Infantil da Abenepi-Rio).

O que é TDAH?

O TDAH, ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, é um transtorno neurobiológico em que o paciente apresenta um padrão persistente e impactante de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade. Traduzindo: TDAH é um transtorno de causa biológica que tem como característica central dificuldades na atenção, no controle motor e no controle de impulsos.

Quais são as manifestações clínicas do TDAH?

O transtorno se caracteriza pela ocorrência de prejuízos significativos gerados pelas dificuldades em manter a atenção, controlar impulsos e níveis de atividade, quando isso é esperado, considerando as características do indivíduo.

O que significa déficit de atenção?

Desatenção é a dificuldade de sustentar (se manter) em uma atividade/foco/estímulo; resistindo a estímulos externos (barulhos por exemplo) ou internos (como seus pensamentos).

Exemplos comuns:

  1. Ele só presta atenção no que interessa, no videogame ele consegue horas… A capacidade atencional de todos nós é influenciada por interesse e necessidade. Tarefas que geram prazer e principalmente que são reforçadas por formas de recompensa imediata, como os jogos eletrônicos, são bem mais atraentes do que ouvir a professora em sala de aula, ver um filme ou ler um gibi.
  2. Só estuda na véspera da prova, nessa hora rende muito mais…(ou acha que rende). Além do interesse, a necessidade também influencia na atenção. A proximidade das provas ou do término de prazos no trabalho são situações que podem afetar os níveis de atenção, embora a qualidade dos resultados finais possam ainda assim ser comprometidos. A tendência a adiar ou evitar as tarefas que exigem esforço mental é uma das características comuns no TDAH.
  3. Ele é muito atento, pode estar brincando lá no quarto, mas está ouvindo o que estamos falando aqui… Esta na verdade é uma situação relatada com frequência pelos responsáveis e ilustra a dificuldade e manter o foco de atenção em um estímulo. Atenção é a capacidade de escolher e permanecer em uma atividade/foco/estímulo selecionado. Se uma criança está “prestando atenção” há vários estímulos, incluindo conversas longe de seu interesse, provavelmente não está realmente atenta à nenhum deles.

E hiperatividade?

Em crianças o termo hiperatividade se refere a atividade motora excessiva quando não apropriada e em adultos pode se manifestar como inquietude extrema ou esgotamento dos outros com sua atividade.

E impulsividade?

Se refere à ações precipitadas sem premeditação e que por tais características apresentam potencial para gerar danos ao indivíduo.

Para ter TDAH é preciso ter desatenção, hiperatividade e impulsividade?

Desatenção, hiperatividade e impulsividade são as alterações/sintomas centrais do TDAH, embora possam se manifestar de forma isolada ou combinada em diferentes fases em um mesmo paciente.

Posso ter desatenção e não ser TDAH?

Apesar da desatenção, hiperatividade e impulsividade serem os sintomas centrais do TDAH não são exclusivos do transtorno. Isso quer dizer que diversos outras situações podem gerar esses sintomas. Por exemplo, desatenção é um sintomas comum em pessoas deprimidas ou com transtornos de ansiedade. Privação de sono, cansaço e doenças de outros sistemas como por exemplo quadros respiratórios, carências nutricionais, doenças metabólicas como as disfunções tireoidianas, entre outras, também podem causar desatenção.

E hiperatividade sem TDAH também?

A hiperatividade, apesar de estar relacionada frequentemente com o TDAH, não é uma característica exclusiva desta condição. Situações como transtorno de ansiedade, transtornos de humor, uso de algumas medicações, falta de limites, problemas ambientais, uso de substâncias ilícitas, entre outras, podem se apresentar com o sintoma.

Desatenção, hiperatividade e impulsividade são sintomas dimensionais, ou seja, podem estar presentes em intensidade e frequência variáveis e podem ser percebidos de forma diferente em variados contextos. Por isso, não é raro que um indivíduo sem o transtorno se identifique com vários dos sintomas. Para o diagnóstico, seguindo critérios definidos por consensos e guias elaborados e aprimorados por especialistas, é preciso que os sintomas se apresentem em faixa etária específica, preenchendo exigências de intensidade, frequência e duração e que causem prejuízo significativo ao indivíduo.

Os sintomas aparecem da mesma forma em todos os lugares?

Para o diagnóstico, é fundamental que os sintomas estejam presentes em mais de um ambiente. Os sintomas pode ter intensidades diferentes em cada ambiente, porém sempre causando algum prejuízo. Deve-se considerar que as informações fornecidas podem ser influenciadas pelo informante.

Basta ter sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade para ter TDAH?

As características do transtorno podem estar presentes em diversas situações, inclusive em indivíduos sem o transtorno. Para considerar o diagnóstico de TDAH é imprescindível que estes sintomas ocorram em frequência e intensidade que causem comprometimento funcional — ou seja, que tragam prejuízo/atrapalham sua vida.

É apenas na parte acadêmica que o TDAH atrapalha?

O TDAH não é um problema específico e restrito ao aprendizado escolar. O comprometimento acadêmico causado pelo TDAH é bastante frequente, e muitas vezes uma das razões para a família procurar ajuda. O baixo desempenho escolar e o relato dos educadores costumam ser o dado objetivo que desperta a preocupação dos responsáveis e motiva a procura de orientação especializada. Crianças com TDAH podem ter dificuldade de acompanhar a aula por estarem distraídas com seus pensamento ou estímulos externos ou por apresentarem agitação motora ou mental, como por exemplo se levantando, conversando em momentos inadequados. São comuns erros “bobos” e falta de paciência na realização de tarefas que exijam concentração, como provas ou trabalhos. A queixa de comportamentos disruptivos com prejuízo ao ambiente e ao grupo também costuma estar presente, nos casos de apresentação hiperativa/impulsiva.

Apesar do comprometimento escolar ser comum e de mais fácil identificação, ele representa apenas um dos aspectos de alerta. É preciso estar atento para outros aspectos de grande relevância, como problemas afetivos e de conduta, impacto na vida social e familiar, e na possibilidade de transtornos associados, chamados de comorbidades. Quanto mais precoce e intensas são as manifestações do transtorno, maior preocupação devemos ter com seu impacto a longo prazo.

Os sintomas mudam com o passar do tempo?

Com o passar do tempo, as demandas da vida da criança mudam, e consequentemente o perfil dos sintomas acompanha essa mudança.

Se aos 6 anos o aprendizado da leitura escrita é um dos principais desafios acadêmicos, aos 12 anos passa a ser a habilidade de planejamento e flexibilidade para manejar diferentes matérias. Uma criança com TDAH, principalmente se sem transtorno específico da aprendizagem associado, pode não ter problemas na alfabetização, mas ter prejuízo/problemas quando acontece o aumento na demanda de organização.

Sintomas de hiperatividade irão se modificar ao longo da vida. Os sintomas motores podem reduzir com o tempo, por outro lado a expressão da hiperatividade pode aparecer como dificuldade para esperar, dificuldade para ficar sentado em uma aula ou reunião e busca constante/troca de atividades, por exemplo.

Uma criança pode, além de TDAH, ter outros transtorno de aprendizado?

É bastante comum que portadores de TDAH tenham outros transtornos que afetam o aprendizado, como por exemplo o Transtorno Específico de Leitura (Dislexia). Nesses casos, uma avaliação especializada pode diferenciar o que é consequência dos sintomas do TDAH do que é causado pela comorbidade (presença do outro transtorno).

É comum quem tem TDAH ter outros transtornos além dos de aprendizado?

Sim, é frequente a comorbidade com transtorno de humor (depressão), ansiedade e transtorno opositivo desafiador. A presença de comorbidade vai demandar cuidados diferentes, por isso a importância da avaliação individualizada de cada caso.

Critérios para diagnóstico de TDAH de acordo com o DSM-5

  • Em crianças, pelo menos seis ou mais critérios de desatenção ou de hiperatividade/impulsividade devem estar presentes
  • Devem ocorrer frequentemente e com intensidade inconsistente com o nível de desenvolvimento
  • Devem estar presentes há mais de 6 meses
  • Vários sintomas devem estar presentes antes dos 12 anos de idade Vários sintomas devem estar presentes em mais de um ambiente Os sintomas não são melhor explicados por outra condição clínica
Desatenção

-Falta de atenção em detalhes/comete erros por descuido

-Dificuldade em manter atenção em tarefas (leituras , conversas prolongadas)

-Parece não escutar quando lhe dirigem a palavra (parece estar com o pensamento longe)

-Não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos escolares, tarefas ou deveres no local de trabalho

  • Dificuldade para organizar tarefas e atividades (ex:manter materiais e objetos pessoais em ordem)

-Evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado

  • Perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (por exemp;p, materiais escolares, lápis, livros, instrumentos, carteiras, chaves, documentos, óculos, celular).
  • Facilmente distraído por estímulos externos ou seus próprios pensamentos
  • Esquecido em relação a atividades cotidianas (realizar tarefas, retornar ligações, pagar contas )
Hiperatividade/impulsividade
  • Remexe ou batuca as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira.
  • Levanta da cadeira em situações em que se espera que permaneça sentado (p. ex., sai do seu lugar em sala de aula, no escritório ou em outro local de trabalho, ou em outras situações que exijam que se permaneça em um mesmo lugar).
  • Corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado ou apresenta sensação de inquietude
  • Dificuldade de brincar ou se envolver em atividades de lazer calmamente.

-“Não para”, agindo como se estivesse “com o motor ligado”

-Fala demais.

-Responde antes que a pergunta tenha sido concluída

O que fazer para esclarecer uma suspeita diagnóstica ?

Quando a família, os profissionais de educação ou outra pessoa que tenha contato próximo com a criança observam características do transtorno, um médico deve ser consultado. Este primeiro atendimento pode ser feito com seu pediatra, neurologista infantil ou psiquiatra infantil. É fundamental a avaliação diagnóstica criteriosa um profissional experiente.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico de TDAH é clínico, embora não seja simples. Deve ser feito por médico. A presença dos sintomas, sua frequência, intensidade e comprometimento são avaliados pelo relato dos pacientes e no caso de crianças, adolescentes por seus responsáveis e de outras pessoas com quem conviva. Os relatos escolares,  de terapeutas e questionários estruturados respondidos por diferentes pessoas do convívio do paciente, em ambientes diferentes, são preciosos na coleta de informações.

São necessários exames complementares para o diagnóstico?

O diagnóstico do transtorno é clinico, mas o médico pode lançar mão de avaliações complementares em casos específicos para verificar a presença de comorbidades ou para esclarecimento de diagnóstico diferencial.

Como tratar?

O primeiro passo para o tratamento é o entendimento dos sintomas para o paciente e sua família.

Sendo um transtorno neurobiológico, o tratamento medicamentoso é uma ferramenta importante, mas seu uso deve ser avaliado por um médico. Existem algumas medicações disponíveis para o tratamento do TDAH no Brasil, a escolha  de qual usar depende das necessidades e perfil do paciente – por isso, devem ser pensadas pelo médico que está acompanhando. Uma medicação que é segura para um criança pode não ser para outra.

Estimulantes, como o metilfenidato e lisdexanfetamina, são as medicação de primeira linha para o tratamento. Outras medicações como atomoxetina, clonidina e bupropiona também podem ser alternativas.

Suporte psicoterápico pode ser importante para o entendimento e ajustes de estratégias para crianças, adolescentes e suas famílias. Além disso podem intervir nas comorbidades com TOD, ansiedade e depressão bastante comuns em quem tem TDAH

Quem tem TDAH vai ter que tratar para sempre?

Aproximadamente 1/3 dos pacientes com TDAH deixarão de preencher os critérios clínicos para o transtorno quando adultos. As crianças com quadros mais severos na infância e aqueles com comorbidades psiquiátricas apresentam maior chance de persistência do transtorno.

Referências

American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

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Canadian ADHD Resource Alliance (CADDRA): Canadian ADHD Practice Guidelines, Fourth Edition, Toronto ON; CADDRA, 2018.

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Mattos, P. . No mundo da lua: perguntas e respostas sobre transtorno do déficit de atenção com hiperatividade em crianças, adolescentes e adultos. São Paulo: Lemos Editorial, 2001.

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